O VALOR DA BIODIVERSIDADE
“Apesar do
constante avanço tecnológico, é necessário ter em conta que a vida na Terra
continua a depender da saúde do mundo natural. A vida e o bem-estar dos seres
humanos dependem dos sistemas vivos do planeta.”
Margarida Ferreira
A biodiversidade é uma das maiores riquezas do planeta, e, entretanto é a
menos reconhecida, escreveu Edward O. Wilson em 1992. Uma pré-condição necessária para se discutir sobre a riqueza da
biodiversidade é estimar o valor da biodiversidade, podendo estes valores
ser divididos entre:
valor intrínseco - todas as espécies são importantes intrinsecamente,
por uma questão de ética;
valor funcional - cada espécie tem uma função no ecossistema. A
título de exemplo, predadores regulam a população de presas, plantas
fotossintetizantes participam do balanço de gás carbónico na atmosfera, etc;
valor de uso direto – muitas espécies são utilizadas diretamente pela
sociedade humana, como alimentos ou como matérias primas para produção de bens;
valor de uso indireto – outras espécies são indiretamente utilizadas pela
sociedade. Por exemplo, criar abelhas em laranjais favorece a polinização das
flores de laranja, resultando numa melhor produção de frutos;
valor potencial – muitas espécies podem futuramente ter um uso
direto, como exemplo, espécies de plantas que possuem princípios ativos a
partir dos quais podem ser desenvolvidos medicamentos. (RBS, 2013)
Diversos esforços foram
feitos para estimar o valor global atribuível à biodiversidade e aos serviços
ambientais. A título de exemplo, pode ser usado o trabalho de Constanza et al.
(1997), que estimou, com base em estudos publicados e em alguns cálculos
originais, o valor económico de 17 serviços ecossistémicos para 16 biomas. Para
toda a biosfera, o valor estimado, representou quase o dobro do Produto Global
Bruto (PIB) mundial calculado na mesma época! (Biota Minas, 2009) Com tamanha importância económica e não só, torna-se fácil entender a necessidade de se
conhecer detalhadamente a biodiversidade do planeta, sendo consenso que sua
perda deve ser evitada através de esforços empreendidos por todos os países.
A biodiversidade desempenha
um papel fundamental na manutenção e melhoria do bem-estar global e serve como
base para todos os serviços do ecossistema e as bases para um desenvolvimento
verdadeiramente sustentável. O declínio da biodiversidade e consequentemente dos serviços dos
ecossistemas têm profundos impactes negativos sobre as oportunidades de
desenvolvimento sustentável em todo o planeta.
Em acordo com o Decreto-Lei nº 142/2008, de 24 de julho (estabelece o
regime jurídico da conservação da natureza e da biodiversidade), definimos “serviços ecossistémicos ou serviços dos
ecossistemas como os benefícios que
as pessoas obtêm, direta ou indiretamente, dos ecossistemas”, podendo
distinguir-se em:
serviços de produção - bens produzidos ou aprovisionados pelos
ecossistemas, nomeadamente alimentos, água doce, lenha, fibra, bioquímicos,
recursos genéticos, entre outros;
serviços de regulação - benefícios obtidos da regulação dos processos de
ecossistema, nomeadamente a regulação climática, de doenças, de cheias, a
destoxificação, a polinização, entre outros;
serviços culturais e recreacionais
- benefícios não materiais obtidos dos ecossistemas, nomeadamente ao nível
espiritual, recreativo, estético ou educativo, entre outros;
serviços de suporte - serviços necessários para a produção de todos os
outros serviços, nomeadamente a formação do solo, os ciclos dos nutrientes ou a
produtividade primária, entre outros.
De salientar que na base de todos os serviços encontra-se a biodiversidade.
Ecossistemas como savanas, florestas, manguezais e áreas urbanas oferecem
diferentes serviços à sociedade, alguns
serviços dos ecossistemas são locais (fornecidos por polinizadores), outros regionais (controle de enchentes ou purificação da água), e ainda outros globais (regulação do clima), Figura 1. Os serviços dos ecossistemas afetam sem
dúvida o bem-estar humano e todos os seus componentes, incluindo necessidades
básicas como alimentação e abrigo, saúde individual, segurança, boas relações
sociais e liberdade de escolha e ação (Figura 2).
Fonte: MA (2005b). Acedido a 28.03.2013, em
http://cebds.org.br/media/uploads/pdf-capas-publicacoes-cebds/biodiversidade-biotecnologia/mea-oportunidades-empresas.pdf
• O Millennium Ecosystem Assessment
(MA, 2005a) foi uma iniciativa internacional (lançada em 2001 – pelas Nações
Unidas – Kofi Annan), destinada a avaliar de forma integrada as consequências
das alterações nos ecossistemas para o bem-estar humano, bem como, estabelecer
a base científica para uma melhoria da gestão dos ecossistemas da Terra, de
modo a garantir a sua conservação e uso sustentável e ao mesmo tempo responder
às necessidades humanas. O relatório do
“Millennium Assessment” sobre o estado do planeta, concluiu que as atividades
humanas estavam a ameaçar a capacidade da Terra para manter as gerações futuras.
Fonte: MA (2005b). Acedido a 28.03.2013, em
http://cebds.org.br/media/uploads/pdf-capas-publicacoes-cebds/biodiversidade-biotecnologia/mea-oportunidades-empresas.pdf
Em jeito de
conclusão, refiro que o ser humano depende da biodiversidade para a sua
sobrevivência, e apenas através desta será possível continuar a usufruir
adequadamente dos serviços ecossistémicos, serviços que são absolutamente
preciosos. Sabe-se que as atividades da sociedade têm vindo a alterar a vida na
Terra e o funcionamento dos ecossistemas, desde o nível local até ao nível
global, sendo que, essas alterações e os riscos associados são de tal ordem
que, sem ações significativas, poder-se-á perder a biodiversidade de forma
irreversível.
Partilho ainda convosco, um vídeo da BiosferaTV elaborado em 2010 que me pareceu
muito interessante por abordar o valor da biodiversidade e algumas das ameaças a
que está sujeita, espero que gostem.
Referências bibliográficas
Bacelar-Nicolau, P. e Azeiteiro, U.M. (2010) “Biodiversidade e Serviços
dos Ecossistemas” (documento vídeo).
BiosferaTV (2010). Vídeo sobre Biodiversidade. Acedido a 28.03.2013, em https://www.youtube.com/watch?v=ccgBcOF_1Ws
Bryant, P.J. (2005)
Capítulos 1, 2, 7. In Biodiversity and Conservation - a hypertext book.
Christie, M. et al. (2006)
"Valuing the diversity of biodiversity", Ecological Economics,
58:304-317.
Ferreira, Margarida (2004). “Millennium Ecosystem Assessment”. Revista
Ambiente 21. Ano II. Nº15. Pp. 44-47
Lovejoy, T. “Biodiversity:
what is it?” In Biodiversity II.
MA (2005a). Millennium
Ecosystem Assessment pp. 1-41. In Ecosystems and Human Well-being: Biodiversity
Synthesis. World Resources Institute, Washington, D.C.
MA (2005b). A partir de Percy, Steve; Lubchenco, Jane (coord) (2006).
Ecossistemas e Bem-estar Humano Oportunidades e Desafios para Empresas e a
Indústria. CEBDS – Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento
Sustentável. Minstério do Meio Ambiente. Acedido a 28.03.2013, em http://cebds.org.br/media/uploads/pdf-capas-publicacoes-cebds/biodiversidade-biotecnologia/mea-oportunidades-empresas.pdf
PCV (2013). Portal Câmaras Verdes. Jornal do Ambiente e Energia. Acedido
a 28.03.2013, em http://www.camarasverdes.pt/tema-especial/415-biodiversidade-vital-para-o-bem-estar-da-humanidade.html
Palma, Francisco (coord.) (2008).
Ganhar com a Biodiversidade. Actual Editora, Lisboa.
ptMA (2013). Portal Millennium Ecosystem Assessment. Acedido a 28.03.2013,
em http://ecossistemas.org/
Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (2008).
Decreto-Lei nº 142/2008, de 24 de julho. Acedido através da plataforma de
e-learning, a 28.03.2013
RSB (2013). Portal RSBiodiversidade. Acedido a 28.03.2013, em http://www.biodiversidade.rs.gov.br/portal/index.php
Wilson, E.O. (1988)
"The current state of biological diversity ". In Biodiversity. National Academy Press, USA.
Cara Adélia Santos:
ResponderEliminarGostaria de começar por felicitá-la pelo magnífico comentário, quer em termos científicos quer no que respeita à apresentação.
A biodiversidade é a maior riqueza do planeta, devido ao seu valor intrínseco e aos serviços que presta à humanidade, sendo como diz, pouco conhecida.
Temos um pobre conhecimento da biodiversidade existente no nosso planeta. Desde o século XVIII foram descritas aproximadamente 1 700 000 espécies de seres vivos. Destas só se conhecem bem as plantas superiores (270 000 espécies) e os vertebrados (55 000 espécies), enquanto todos os outros continuam praticamente desconhecidos. Estima-se hoje que a diversidade biológica poderá comportar até 110 milhões de espécies, sendo os insetos o grupo mais numeroso, estimando-se ser necessário 200 anos ao ritmo atual para se conseguir descrever a biodiversidade real, correndo-se o risco de muitas espécies serem extintas antes de poderem ser descritas. (Oberhuber,2010)
Todos os anos as selvas tropicais desaparecem ao ritmo de 1%, a diversidade genética das culturas é afetada 2% e as raças ganadeiras 5%. Das plantas superiores 34 000 estão em perigo de extinção e com elas, por cada espécie que desaparece acompanham-na, pelo menos 30 espécies de insetos, fungos e bactérias. E se isto não fosse já alarmante uma parte significativa de vertebrados também se encontra sob forte ameaça. (Oberhuber,2010)
Quando falamos em biodiversidade ocorre-nos imediatamente as fabulosas estruturas naturais como os leões, as baleias ou as grandes espécies vegetais, esquecendo-nos das espécies mais pequenas, que fazem dessa variedade a expressão acabada da maravilhosa diversidade orgânica, que se multiplica num sem número de formas, grande parte delas desconhecidas da maioria das pessoas. Alguns dos pequenos e microscópicos seres são de grande importância para o bem-estar da humanidade, (Giacchi,1994) sendo fundamentais na produção de medicamentos com que combatemos alguns dos males mais referenciados nos dias de hoje.
Os serviços dos ecossistemas assentes na variedade biológica são muito vastos e englobam impactos diretos e indiretos e ainda muitos que hoje não são do conhecimento científico. Os mecanismos dos serviços dos ecossistemas estão dependentes de um conjunto de características que possuem e que estão em relação direta com o seu funcionamento e com um conjunto de processos que estão na sua génese e que os determinam. Estes processos configuram aquilo que é usual chamar serviços ou funções de suporte e são muito importantes, não apenas hoje mas também no futuro dos serviços dos ecossistemas. (Bacelar-Nicolau&Azeiteiro,2010) A biodiversidade tem um valor estratégico para a humanidade, não apenas pelo seu valor patrimonial intrínseco mas também por todos os complexos sistemas de ligação que podem influenciar os processos de construção de “patrimónios”, culturais, económicos e sociais.
Hoje, o homem está perante vários desafios relacionados com a diversidade biológica. O primeiro de hoje e para o futuro é preparar-se para produzir alimento e outras condições de vida. Este desafio pode ser equacionado com uma pergunta: Como impedir o decréscimo de diversidade das plantas e alimentá-las para que possa haver alimentos e condições para todos os animais, agora e no futuro?
O segundo é consciencializar a humanidade que não há benefícios grátis. Hoje mais de metade da população vive nas cidades e na generalidade pouco sabe de onde vêm os alimentos. O homem come plantas ou plantas transformadas, pelo que só alimentando as plantas e evitando o seu desaparecimento pode contribuir para preservar as condições de vida. O homem precisa refletir seriamente sobre este aspeto para que crie a consciência de usar apenas o necessário, evitando a produção de desperdícios.
Finalmente, o maior desafio é a construção de um mundo para a humanidade, instituindo uma ética consequente para o futuro, para que o Homo sapiens não se transforme no Homo demens, aquele que pode determinar o fim da humanidade. (Boaretto,2009)
Referências bibliográficas:
ResponderEliminarBacelar-Nicolau, P. & Azeiteiro. (2010). Biodiversidade e serviços dos ecossistemas. Universidade Aberta (Vídeo colocado na plataforma).
Boaretto. A. E. (2009). A evolução da população mundial, da oferta de alimentos e das ciências agrárias. Revista Ceres, 56 (4) pp 513-526.
Giacchi, J., C. (1994). BIODIVERSIDADE, Los organismos inferiores tambien existen. FUCEMA, Fundación para la Conservación de las Especies y Medio Ambiente.
Oberhuber, T. (2010). La Biodiversidade es vida. Dossier, El papel de la biodiversidade.
Bom dia Adélia! Excelente post! :)
ResponderEliminarUma dos pontos que referiste neste post e no primeiro que realizaste foi a necessidade de preservação e conservação da biodiversidade, para evitar o seu declínio, e o dos serviços ecossistémicos que prestados ao Planeta e à Humanidade. É importante, para a elaboração e implementação de políticas ambientais de conservação, que os decisores políticos, organizações não-governamentais e os cidadãos, tenham uma ideia do valor que a biodiversidade pode ter.
A noção de "valor" da biodiversidade é, sem dúvida, uma temática muito abrangente e que pode ser discutida de várias perspetivas diferentes, como a ética, a científica, a política e económica. Esta multidisciplinaridade está interligada, constituindo a base do valor atribuído à biodiversidade e aos serviços prestados por ela.
Na perspetiva ética, enquadra-se o valor intrínseco atribuído à biodiversidade, que varia de acordo com a corrente ética em questão. Segundo Alho (2008), por um lado temos as correntes éticas que atribuem valor intrínseco à Natureza, e consequentemente, à biodiversidade. Este fundamento ético liga-se à constatação fundamental de que as formas de vida devem ser preservadas simplesmente porque elas existem, porque são produtos de milhões de anos de evolução, e, portanto, têm o direito de continuar a existir independentemente do homem, ou, pelo menos, têm as diversas formas de vida o direito de não terem a sua extinção acelerada pela ação do homem (Freitas, 2012).
No canto oposto temos um fundamento ético antropocêntrico, através do qual a Natureza e a biodiversidade possuem um valor puramente instrumental, sendo considerados como um recurso disponível para utilização do homem. Na nossa sociedade atual, torna-se inevitável a constatação de que somente a partir da identificação do valor da biodiversidade para os seres humanos é que se tornará realmente possível passar do discurso para a prática real de proteção. É neste campo que o valor económico da biodiversidade assume preponderância, sendo tido em conta na elaboração das principais políticas ambientais, de caráter essencialmente utilitarista.
No meu entender, é o equilíbrio entre estes fundamentos que trará mais benefícios para o processo global de preservação e conservação a biodiversidade, já que o grande objetivo assenta no reconhecimento e valorização da biodiversidade enquanto pilar fundamental da sobrevivência da nossa espécie e de todas as que habitam no nosso planeta. É assim imperativo fornecer a todos os agentes sociais a informação sobre todas as vantagens, a nível ético, científico e económico, que constitui a preservação e conservação a biodiversidade.
Citando James Nations (Freitas, 2012): Virá o dia em que considerações éticas sobre a diversidade biológica tornar-se-ão nosso principal motivo para conservar as espécies. Mas até lá, se quisermos continuar mantendo a diversidade biológica do planeta, temos que falar a língua corrente. E a língua corrente é a utilidade, a economia, e o bem-estar dos seres individuais. Nos anos 80, a pergunta parece ser: ‘o que a diversidade biológica fez por mim recentemente?’ A boa nova é que a resposta a essa pergunta é: ‘muito mais do que você avalia’. Nossas vidas estão cheias de exemplos da lógica de que devemos preservar as plantas e animais dos quais dependemos como espécie.
Referências Bibliográficas
Alho, C. J. R. 2008, The value of biodiversity, Brazilian Journal of Biology, 68(4, Suppl.), pp. 1115-1118
Freitas, M. L. (2012), O valor da biodiversidade, consultado em 30 de Março de 2013, http://jus.com.br/revista/texto/23399/o-valor-da-biodiversidade